quarta-feira, 20 de março de 2013

REIVINDICAÇÕES FEMINISTAS ESTIMULAM O HOMOSSEXUALISMO


Marco Feliciano diz que direitos das mulheres atingem a família. Em entrevista para livro, deputado e pastor diz que reivindicações feministas estimulam o homossexualismo

O GLOBO
Atualizado:20/03/13 - 8h46


Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) no plenário da Câmara Ailton de Freitas / Agência O Globo


RIO — As críticas do atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, Marco Feliciano (PSC-SP), avançam também em outra direção: o direito das mulheres. Em entrevista para o livro “Religiões e política; uma análise da atuação dos parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e LGBTs no Brasil”, ao qual O GLOBO teve acesso, o deputado critica as reivindicações do movimento feminista e afirma ser contra as suas lutas porque elas podem conduzir a uma sociedade predominantemente homossexual.

“Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família, cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade tende a desaparecer porque ela não gera filhos”, diz ele na página 155, em declaração dada em junho de 2012.

Para o pesquisador Paulo Victor Lopes Leite, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), um dos autores do estudo, a posição de Feliciano não é exceção: reflete o pensamento majoritário defendido pelos integrantes da Frente Parlamentar Evangélica.

— Constatamos que os parlamentares evangélicos trabalham com a ideia de pânico moral, que se manifesta sempre que qualquer atitude ou comportamento se mostra diferente do conceito de família patriarcal, com pai, mãe e filhos. É a ideia de pânico moral que faz com que rejeitem qualquer transformação natural da sociedade, como o casamento igualitário e a necessidade de se discutir a legalização do aborto — avalia.

As afirmações de Feliciano causaram revolta nos movimentos feministas. Para Hildete Pereira de Melo, professora da UFF e pesquisadora de relações de gênero e mercado de trabalho, as convicções do parlamentar são atrasadas porque não acompanham as necessidades da sociedade.

— Ele é misógino e homofóbico. Desde a invenção da pílula anticoncepcional, os casais heterossexuais podem manter vida sexual ativa sem que a gravidez ocorra. Atribuir aos homossexuais a responsabilidade pela destruição da família é um delírio. A destruição tem como culpado o homem, que sai de casa e abandona os filhos quando o relacionamento termina. É preciso entender que os filhos são responsabilidade do casal, e não apenas da mulher — critica.

terça-feira, 19 de março de 2013

CERCO AO RACISMO E HOMOFOBIA NO RS


ZERO HORA 19 de março de 2013 | N° 17376

INICIATIVA INÉDITA. DP inaugura unidade para combater crimes relacionados à intolerância


A 3ª Delegacia da Polícia Civil de Canoas inaugurou um espaço inédito para combater o racismo e a homofobia no Rio Grande do Sul. Na semana passada, entrou em funcionamento o Cartório da Diversidade e Igualdade Racial, o primeiro local desse tipo no Estado a fazer atendimento específico a crimes relacionados à intolerância em uma DP.

Oobjetivo é avaliar os casos a partir do perfil das vítimas de racismo e homofobia. Como os crimes são investigados pelo tipo de violência, muitas vezes não se sabe como as pessoas que sofreram as agressões ficaram após o episódio. Com a criação do cartório, a Polícia Civil espera mapear os locais e qual o tipo de violência praticada.

– Na maioria das vezes, a discriminação é velada e em grupo. Em briga de vizinhos, por exemplo, podem acontecer ofensas como “macaco imundo”, mas a injúria racial vai além da ofensa. Pretendemos abrir a porta a esses casos, pois, assim, poderemos tabular onde, quando e como ela ocorre, e fazer um trabalho de prevenção – diz a delegada titular da 3ª DP de Canoas, Sabrina Deffente.

A delegada é a idealizadora do projeto que culminou na criação da unidade. Para ela, o mais árduo em casos que envolvam grupos classificados como vulneráveis é oferecer condições para que eles denunciem os agressores. Muitas vítimas têm medo de prestar queixas. Por isso, a criação de uma delegacia cidadã – como denomina o secretário de Segurança Pública e Cidadania de Canoas, Guilherme Pacífico – incentiva a exposição dos casos:

– Um grupo vulnerável já sofre com os estigmas, então a gente passa a atendê-los para formar uma rede de proteção e construção de diagnósticos.

Os casos de violência que configuram crime seguirão o caminho normal. A vítima se apresentará à polícia e fará o registro de ocorrência. Já os casos que não se caracterizam como crime, mas oferecem algum risco às vítimas, serão analisados pelos profissionais e encaminhados às coordenadorias de Diversidades e Igualdade Racial do município. Além disso, a unidade terá psicólogos, assistentes sociais e profissionais do Direito especializados no acompanhamento de pessoas que tenham sofrido qualquer tipo de discriminação.

Denúncias cresceram 240% no ano passado

De acordo com os dados da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, as denúncias ao Disque 100 mais que triplicaram no Estado em 2012. Foram 140 registros a mais do que em 2011, o que representa um aumento superior a 240%. O Rio Grande do Sul é o quinto Estado com maior número de delações sobre violência relacionada ao gênero. O perigo, para os delegados e para a professora, está na discriminação velada.

MATHEUS BECK

sexta-feira, 15 de março de 2013

SEM PLANO DE DIREITOS HUMANOS


Treze estados não têm plano de direitos humanos, diz IBGE. Seis não têm sequer canais de denúncia sobre o tema. Dados constam na inédita Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012


CÁSSIO BRUNO
JULIANA CASTRO
O GLOBO - Atualizado:15/03/13 - 10h46




RIO - Quase metade das unidades da federação não tem plano de direitos humanos, e seis não têm sequer um canal para denunciar abusos e violações contra a pessoa. É o que mostra a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012, estudo inédito divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira. Apesar disso, apenas o Amapá declarou não ter a estrutura de um órgão que fosse responsável pela política sobre o tema. Sergipe é o único estado com uma secretaria exclusiva de direitos humanos.

Acre, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Rio Grande do Sul, Paraíba, Goiás e Distrito Federal não têm planos estaduais de direitos humanos, ao contrário do que acontece em nível nacional, onde o governo tem um plano específico, que está na terceira revisão. A situação é ainda pior em Roraima, Rondônia, Ceará, Amapá e Amazonas, onde não há plano e tampouco canais para fazer denúncia. O Espírito Santo tem plano, mas não tem nenhum dispositivo para que a população denuncie. Como o estudo é inédito, ainda não há parâmetro para comparação.

“Cabe ressaltar que tal resultado (sobre a ausência dos planos estaduais) não impede que os estados tenham políticas, planos, programas ou ações para grupos vulneráveis específicos”, informa o estudo.

Apenas MA, MG e MT têm fundo específico

Onze estados (Rio, Pará, Tocantins, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Mato Grosso) têm plano e previsão de recursos para o financiamento de políticas de direitos humanos. A coordenação da pesquisa diz que o fato de alguns estados não terem orçamento exclusivo para o tema não significa que a área não receba recursos de outras secretarias.

O levantamento, feito após os próprios estados responderem dois questionários enviados pelo IBGE, mostra que três unidades da federação constituíram um fundo estadual de direitos humanos: Maranhão, Minas Gerais e Mato Grosso.

“A instituição de um fundo público vinculado à implementação de políticas de direitos humanos é importante na mobilização e garantia de aplicação de recursos na área”, diz um trecho da pesquisa.

Telefone, o meio usual para as denúncias

O IBGE questionou os estados sobre os meios que eles disponibilizavam para as denúncias de violação dos direitos humanos e 18 deles responderam que recebiam os relatos por telefone, sete têm balcão de atendimento, 12 têm um canal em página na internet, 13 recebem por email, e cinco, por correio.

Todas as assembleias legislativas têm uma comissão específica de direitos humanos. Seis estados (Rondônia, Roraima, Amapá, Sergipe, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) não têm um conselho estadual para tratar do assunto. Os conselhos concretizam a participação e o controle social, preconizados na Constituição Federal de 1988, e articulam participação, deliberação e controle do Estado.

“A ampliação no número dos conselhos estaduais, seu funcionamento mais qualificado, assim como a articulação com os programas setoriais das esferas municipal e estadual, poderão traduzir um modelo participativo e eficiente para as políticas sociais no Brasil”, diz a pesquisa sobre a importância dos conselhos.

Bahia e Rio têm conselhos com caráter apenas consultivo, ou seja, embora emitam pareceres, não deliberam. Nos conselhos deliberativos, há a capacidade de influenciar nas decisões.


Só cinco estados têm conselhos de direitos LGBT, diz IBGE. Dados constam na inédita Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012

CÁSSIO BRUNO
JULIANA CASTRO 
O GLOBO - Atualizado:15/03/13 - 10h55


RIO - A inédita Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada nesta sexta-feira, verificou a existência dos conselhos estaduais para os mais diversos temas. Todos os estados têm esse tipo de grupo para temas como saúde, educação, habitação, cultura, etc. Mas, verifica-se que apenas cinco unidades da federação têm conselhos voltados a direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: Pará, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

“A ampliação no número dos conselhos estaduais, seu funcionamento mais qualificado, assim como a articulação com os programas setoriais das esferas municipal e estadual, poderão traduzir um modelo participativo e eficiente para as políticas sociais no Brasil”, diz a pesquisa sobre a importância dos conselhos.

A média de existência desses grupos são de 2,8 anos. Apenas três deles têm caráter deliberativo, ou seja, tem a capacidade de influenciar nas decisões.

— É um tema novo, com uma incidência não tão grande nos estados — destacou o pesquisador Antônio Carlos Alckmin dos Reis, da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE.

— No caso da educação e da saúde, você tem políticas e linhas de financiamento que forçam a criação desses conselhos não só nos estados, mas nos municípios.

quinta-feira, 14 de março de 2013

ADEUS A SECRETÁRIA

ZERO HORA 14 de março de 2013 | N° 17371

Morte de Márcia consterna Piratini. Aos 35 anos, ela integrava o primeiro escalão como responsável pelas políticas para mulheres e não tinha histórico de doenças


A morte repentina da secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Márcia Santana, com apenas 35 anos e sem histórico de doenças, consternou familiares, amigos e líderes políticos. Márcia foi encontrada morta no banheiro de casa, no bairro Jardim do Salso, na Capital, no início da madrugada de ontem.

Pessoas próximas relataram que ela assistia ao jogo do Grêmio contra o Caracas pela TV, na companhia do marido, Claudiomiro Ambrózio, quando teria dito que iria tomar um banho. Os minutos se passaram e, estranhando a demora, Ambrózio foi até o banheiro. Lá, encontrou Márcia caída. Desesperado, chamou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas ela já estava sem vida.

Até o fim da tarde de ontem, o laudo confirmando a causa da morte não havia sido concluído pelo Departamento Médico Legal (DML). Apesar disso, segundo o delegado Ranolfo Vieira Júnior, chefe da Polícia Civil, a hipótese mais provável é de que Márcia tenha sido vítima de um mal súbito.

No meio político, a notícia causou surpresa. A secretária era conhecida pela vitalidade e pela energia com que se dedicava ao trabalho. Era uma “workaholic”, segundo interlocutores, uma apaixonada pelo que fazia, e estava feliz à frente da secretaria.

– O que mais impressiona é que ela não fumava, não bebia, estava sempre de bem com a vida. Não dá para acreditar no que aconteceu – disse Márcia Chitolina, coordenadora de políticas para as mulheres de Sapucaia do Sul.

Em Brasília, o governador Tarso Genro foi avisado da morte por telefone, às 3h. Cancelou a reunião que teria com outros governadores e voltou às pressas para participar do funeral.

– A perda da secretária entristeceu nosso governo. Sua atuação sempre foi muito vívida e marcante, há uma comoção imensurável em nossa equipe. Faremos o possível para dar seguimento ao trabalho iniciado por ela, para que esse legado seja sempre lembrado – declarou Tarso, emocionado.

Resultado da necropsia será conhecido nos próximos dias

As ministras Luiza Bairros, da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial , e Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, também se deslocaram à Capital. Amiga de Márcia, que foi sua assessora durante anos, Maria do Rosário era uma das mais abaladas com a perda.

– A morte dela é muito impactante – resumiu, aos prantos, durante o velório no Salão Negrinho do Pastoreio.

O clima era de consternação no Palácio. Ex-chefe de gabinete de Márcia, Josiani Arruda garantiu que a secretária não só estava bem como havia feito uma bateria de exames no ano passado:

– Ela nunca se queixou de nada.

Depois de ser velado no Palácio Piratini, o corpo foi levado em um caminhão dos Bombeiros até o Cemitério Jardim da Paz, na Capital, onde ocorreu o enterro. O resultado da necropsia deve ser divulgado nos próximos dias.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Márcia é uma estrela dos Direitos Humanos que se vai muito cedo, para a infelicidade de todos nós. Solidariedade à família, amigos e parceiros de luta.

terça-feira, 12 de março de 2013

O DIVINO FELICIANO E OS HUMANOS DIREITOS



ZERO HORA 12 de março de 2013 | N° 17369 - ARTIGOS

Milton R. Mendran Moreira*


Dentre os grandes equívocos das religiões, talvez o mais danoso ao ser humano é o de tomar como valores eternos e imutáveis preceitos apenas compatíveis com o tempo em que promulgados. A Bíblia judaico-cristã, por exemplo, está repleta de conteúdos claramente preconceituosos que colidem frontalmente com modernos valores como liberdade e igualdade.

Religiões são a expressão de provisórias necessidades de sobrevivência e de preservação de valores, hábitos e crenças de coletividades humanas postos em confronto com as de outros grupos. Elas são necessariamente sectárias porque visam a proteger aquele agrupamento, aquele gênero, aquela ideologia, aquele sistema de poder, contra interesses que as possam desestabilizar. Religião e poder sempre tiveram íntima conexão, porque as regras de conduta dela emanadas, se destituídas de cogência, perderiam efetividade. Ou seja: não há forma de dar efetiva exequibilidade aos valores e preceitos religiosos que não atribuindo sua origem à autoridade máxima capaz de ser concebida pela mente humana: Deus. Quando transformados em dogmas de fé, quando a promulgação deste ou daquele preceito logra se impor como de efetiva origem divina, ele estará revestido de tudo aquilo que uma norma exige para ser efetiva: seu poder de cogência.

A história da civilização não é nada mais nada menos que o resultado do conflito entre esse pretenso poder divino de ditar normas tidas como eternas e imutáveis e a saga humana de tomar para si o múnus de legislar conforme as especificidades e necessidades de cada tempo. Nessa guerra entre deuses e homens, estes últimos têm se valido de algumas armas que só estágios mais recentes de seu processo evolutivo lhes disponibilizaram. São coisas tais como razão se sobrepondo à fé, direitos humanos com prevalência sobre prerrogativas do mais forte, direitos de minorias ganhando efetividade legal contra privilégios de aristocracias raciais, econômicas e religiosas que não os reconheciam e, mais que isso, os condenavam por manifestamente contrários à presumível ordem divina.

O resultado desse conflito deu origem ao que chamamos Estado democrático de direito. Sua implementação e sedimentação na moderna sociedade se dão apesar da religião e, muitas vezes, contra esta. Diga-se, entretanto, de passagem: contra a religião não significa contra a espiritualidade. Quem, sendo capaz de fugir do dualismo sagrado/profano, cultivar o entendimento de que a verdadeira essência do ser humano reside na sua condição de espírito há de reconhecer, sempre, nas tendências históricas do gênero humano e, logo, do espírito humano, a própria realização de sua identidade plena com o divino.

Mesmo que reputemos como insuperável o conflito entre religião e Estado democrático de direito, aquela tem insistido em se valer deste para obstaculizar sua caminhada, para anular, pelos próprios mecanismos por ele disponibilizados, o seu avanço. O episódio da recente eleição de um certo pastor deputado Marco Feliciano para presidir, na Câmara dos Deputados, a Comissão de Direitos Humanos, comprova isso.

Apesar de exibir uma biografia de insuspeita submissão a um tipo de fé que confronta com os direitos humanos e prega atitudes de franco boicote à vigência de alguns deles, Feliciano foi guindado pela maioria de seus pares à presidência do órgão.

Que dizer da exitosa pretensão do pastor deputado? Legítima, na medida em que, pela lógica interna de seu meio, ele e seus eleitores se julgam partícipes de uma certa ordem divina, por natureza incompatível com a ordem humana.

Que dizer, no entanto, de um sistema formalmente comprometido com o Estado de direito quando ele próprio unge justamente alguém com esse perfil para presidir uma comissão parlamentar e permanente de direitos humanos? Mais do que incoerente, a atitude é autofágica. No mínimo, nega e nulifica os próprios fundamentos de sua existência. Tristemente, revela que se, formal e institucionalmente, pode-se falar em um Estado democrático de direito, na prática ele não passa de um tênue projeto humano que esbarra ainda nos caprichos e nos poderes dos deuses.

*ADVOGADO, JORNALISTA, PRESIDENTE DO CENTRO CULTURAL ESPÍRITA DE PORTO ALEGRE

PRECONCEITO E INCOERÊNCIA



ZERO HORA 12 de março de 2013 | N° 17369

EDITORIAIS


É uma afronta a todos, inclusive ao próprio Congresso, a manutenção do deputado e pastor evangélico Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. A eleição de Feliciano, na semana passada, desencadeou uma justa reação popular, em decorrência de posições pessoais que contrariam tudo o que a comissão deve defender. O parlamentar já condenou categoricamente a homossexualidade e se referiu aos negros como seres inferiores e amaldiçoados, sempre em manifestações públicas. Mesmo que tenha tentado se retratar, porque teria sido mal interpretado, o deputado é conhecido por opiniões marcadas por forte conteúdo discriminatório.

Tal comportamento contradiz todos os esforços feitos no sentido de reafirmar o respeito à diversidade e às diferenças. Imagina-se que o Congresso, ao manter uma comissão com esse objetivo, estaria engajado com os que lutam contra a intolerância, em quaisquer áreas, em especial a dos relacionamentos humanos em grupos sociais historicamente discriminados. É quase inacreditável que a Câmara tenha cometido a façanha de escolher como líder da comissão alguém que, no sentido inverso, contribui para a exaltação de conceitos retrógrados. Feliciano tem sido política e moralmente incorreto em tudo o que diz. Em 2011, registrou no Twitter que os negros são “descendentes amaldiçoados de Noé”. Condenou a homossexualidade, dizendo que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição”.

Além disso, o parlamentar é réu por estelionato em ação penal no Supremo Tribunal Federal, sob a acusação de ter embolsado dinheiro para ministrar cultos que não foram realizados. Seu currículo é uma lista interminável de desmandos. Como pastor, já foi filmado fazendo apelos para que os fiéis de sua igreja, Catedral do Aviamento da Assembleia de Deus, entreguem dinheiro vivo, cartões bancários ou mesmo cheques pré-datados. Colegas no Congresso têm repetido que sua eleição fere o regimento interno e o decoro parlamentar. É muito mais do que isso. Com sua escolha, o parlamento trata com escárnio não só as pessoas que o político discrimina, mas toda a sociedade.

domingo, 10 de março de 2013

UM CERTO FELICIANO


ZERO HORA 10 de março de 2013 | N° 17367 ARTIGOS

Marcos Rolim*

Para um certo Marco Feliciano, que se apresenta como pastor, cantor e empresário, “a podridão dos sentimentos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição” e a aids é um “câncer gay”, sendo os homossexuais os culpados pela doença. Além de homofóbico, Feliciano reproduz afirmações racistas ao sustentar, por exemplo, que “os negros descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé”. Mas o interessante mesmo da atua-ção do pastor é sua capacidade de fazer com que pessoas humildes doem para sua “Igreja do Avivamento Assembleia de Deus”. Em certo momento ele diz: “É a última vez que falo: Samuel Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir milagre pra Deus e Deus não vai dar...”. Deus é grande, sabemos, e aceita carros, motos, computadores, cheques pré-datados, assim como cartões de crédito e doações online (o desempenho do pastor como sócio majoritário da graça divina pode ser visto em: http://migre.me/dAm9g).

Tudo isto vira “política” no Brasil e o tal Feliciano é deputado federal do PSC. Esta semana, virou presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Quem permitiu que isso acontecesse foram os maiores partidos da Casa. Interessados nas comissões rentáveis eleitoralmente, eles rifaram a Comissão de Direitos Humanos e seus temas sempre difíceis, polêmicos e desgastantes. O prejuízo será grande e a comissão há de produzir pouco mais que oração e folclore. No final, quem sabe, Marco Feliciano terá gravado um novo CD.

A situação seria outra caso tivéssemos uma cultura democrática e os direitos humanos fossem compreendidos como a pauta mais generosa da civilização. O espaço alargado pela ignorância e pelo oportunismo, entretanto, permite a proliferação de felicianos e de suas empresas isentas de impostos. O que ainda não foi percebido é que, além de cheques, esses senhores depositam ameaças à democracia. O crescimento do fundamentalismo evangélico no Brasil segue sendo largamente menosprezado, como costumam ser os fenômenos sociais e culturais que emergem das periferias. No Amazonas, recentemente, alunos evangélicos de uma escola pública se recusaram a integrar projeto sobre a cultura afro-brasileira, afirmando que o trabalho fazia apologia do “satanismo e do homossexualismo”. Nos parlamentos, Brasil afora, não faltam projetos obrigando a leitura da Bíblia em escolas públicas. Enquanto isso, temas fundamentais da modernidade sobre os direitos civis, política de drogas, direitos reprodutivos e pesquisa científica são obstaculizados pelas chamadas “bancadas evangélicas”, eufemismo para condutas descritas ora na Idade Média, ora no Código Penal. Em nome do respeito às religiões, agimos como se fôssemos obrigados a respeitar as agressões, o preconceito, o curandeirismo e a manipulação. Não o somos. O direito à liberdade religiosa, que caracteriza o Estado laico, não impede a crítica à intolerância e à safadeza; pelo contrário, a exige.

*JORNALISTA

sábado, 9 de março de 2013

MALDIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2260

O pastor-deputado Marco Feliciano já disse que o povo africano é amaldiçoado por Noé. Ele também foi acusado de homofobia e estelionato. Mas, apesar de tudo, acabou escolhido para presidir a comissão dos direitos humanos e de minorias na Câmara

Alan Rodrigues


INTOLERÂNCIA E PRECONCEITO
Para Marco Feliciano, novo presidente da Comissão dos Direitos Humanos
da Câmara, "os sentimentos dos homoafetivos levam ao crime"

A Declaração Universal dos Diretos Humanos foi criada em 1948 durante a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas como o ideal comum de respeito, liberdade e dignidade a que todas as pessoas têm direito – independentemente de cor, sexo, religião ou qualquer outra condição. O documento, no entanto, não impediu que a intolerância e o preconceito continuassem a grassar no mundo. Os exemplos de incompreensão e intransigência a diferentes opiniões e comportamentos são fartos, mas deveriam passar bem longe de uma comissão destinada a deliberar sobre os direitos e liberdades básicas. Na última semana, o parlamento brasileiro resolveu agredir este princípio. Diante de uma confusão tremenda, elegeu na quinta-feira 7 o pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara. Com 40 anos, o pastor da Igreja Assembleia de Deus é conhecido por suas posições preconceituosas em relação a negros e homossexuais, entre outros temas. Ele é defensor, por exemplo, de um projeto de lei que pretende obrigar o Conselho Federal de Psicologia a aceitar como científica o que chama de terapias de reversão da homossexualidade. O parlamentar também cunhou frases como: “Vivemos uma ditadura gay” e “A Aids é o câncer gay”. Para Feliciano, “os africanos são descendentes de um ancestral amaldiçoado por Noé” e essa maldição é que explicaria o “paganismo, o ocultismo, misérias e doenças como ebola” na África.

Em março de 2011, o parlamentar ainda afirmou que “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam ao ódio, ao crime, à rejeição”. Em decorrência dessa frase escrita no microblog Twitter, Feliciano foi denunciado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, por homofobia. Para Gurgel, a fala “revela o induzimento à discriminação”. O relator do inquérito é o ministro Marco Aurélio Mello. Ele ainda precisa levar o caso a plenário, que decidirá se será aberta uma ação penal que transformará o parlamentar em réu. O procurador pediu punição de um a três anos de prisão. Feliciano ainda responde a outra ação penal pelo crime de estelionato. Na ação, o deputado é acusado de obter para si a vantagem ilícita de R$ 13.362,83 simulando um contrato “para induzir a vítima a depositar a quantia supramencionada na conta bancária fornecida”. A denúncia do MP do Rio Grande do Sul é de 2009 e sustenta que o parlamentar firmou contrato para ministrar um culto religioso, mas não compareceu.

Num mundo tolerante, qualidade que não parece agradar Feliciano, qualquer opinião deve ser respeitada, exceto quando elas se tornam apologia de crimes como o racismo e a homofobia. Pessoas como o deputado do PSC não deveriam sequer ser cotadas para integrar a Comissão de Direitos Humanos, quanto mais para presidi-las. Após sua eleição, sem rechaçar o que já escreveu sobre negros e homossexuais, o deputado reiterou que é contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O deputado argumenta que não é e nunca foi racista nem homofóbico, mas não negou as frases sobre negros postadas em seu Twitter.



A eleição de Feliciano gerou protestos nas redes sociais. Na Câmara, parlamentares já trabalham com a possibilidade de criar uma comissão paralela para deliberar sobre os Direitos Humanos. “Ele é um inimigo público e declarado de minorias”, afirmou Jean Wyllys (PSol-RJ). “Lamento que a comissão tenha se transformado no centro do fundamentalismo”, criticou Domingo Dutra, ex-presidente do colegiado. Durante uma discussão acalorada antes da votação, o deputado e também pastor Hidekazu Takayama (PSC-PR) negou que a bancada evangélica seja homofóbica. “Nós amamos o homossexual, o ser humano. Amamos o pecador, não a prática das coisas erradas”, disse. Dos 18 integrantes da Comissão, 12 são evangélicos. “Não temos nada contra os evangélicos. Mas não dá para tolerar uma pessoa que pensa e defende posições contrárias aos direitos humanos presidir um colegiado importante como esse”, entende o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), um dos fundadores da Comissão dos Direitos Humanos. Nos bastidores do Congresso, a trapalhada envolvendo a eleição de Feliciano é atribuída ao líder do PSC na Câmara, deputado André Moura. Ele nega. Independentemente de quem seja o mentor da indicação, se é que há apenas um, o custo político recai sobre todo o Parlamento brasileiro.

Fotos: Edson Silva/Folhapress; DANIEL TEIXEIRA/AE; Ednilson Aguiar/Secom-MT

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