domingo, 10 de março de 2013

UM CERTO FELICIANO


ZERO HORA 10 de março de 2013 | N° 17367 ARTIGOS

Marcos Rolim*

Para um certo Marco Feliciano, que se apresenta como pastor, cantor e empresário, “a podridão dos sentimentos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição” e a aids é um “câncer gay”, sendo os homossexuais os culpados pela doença. Além de homofóbico, Feliciano reproduz afirmações racistas ao sustentar, por exemplo, que “os negros descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé”. Mas o interessante mesmo da atua-ção do pastor é sua capacidade de fazer com que pessoas humildes doem para sua “Igreja do Avivamento Assembleia de Deus”. Em certo momento ele diz: “É a última vez que falo: Samuel Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir milagre pra Deus e Deus não vai dar...”. Deus é grande, sabemos, e aceita carros, motos, computadores, cheques pré-datados, assim como cartões de crédito e doações online (o desempenho do pastor como sócio majoritário da graça divina pode ser visto em: http://migre.me/dAm9g).

Tudo isto vira “política” no Brasil e o tal Feliciano é deputado federal do PSC. Esta semana, virou presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Quem permitiu que isso acontecesse foram os maiores partidos da Casa. Interessados nas comissões rentáveis eleitoralmente, eles rifaram a Comissão de Direitos Humanos e seus temas sempre difíceis, polêmicos e desgastantes. O prejuízo será grande e a comissão há de produzir pouco mais que oração e folclore. No final, quem sabe, Marco Feliciano terá gravado um novo CD.

A situação seria outra caso tivéssemos uma cultura democrática e os direitos humanos fossem compreendidos como a pauta mais generosa da civilização. O espaço alargado pela ignorância e pelo oportunismo, entretanto, permite a proliferação de felicianos e de suas empresas isentas de impostos. O que ainda não foi percebido é que, além de cheques, esses senhores depositam ameaças à democracia. O crescimento do fundamentalismo evangélico no Brasil segue sendo largamente menosprezado, como costumam ser os fenômenos sociais e culturais que emergem das periferias. No Amazonas, recentemente, alunos evangélicos de uma escola pública se recusaram a integrar projeto sobre a cultura afro-brasileira, afirmando que o trabalho fazia apologia do “satanismo e do homossexualismo”. Nos parlamentos, Brasil afora, não faltam projetos obrigando a leitura da Bíblia em escolas públicas. Enquanto isso, temas fundamentais da modernidade sobre os direitos civis, política de drogas, direitos reprodutivos e pesquisa científica são obstaculizados pelas chamadas “bancadas evangélicas”, eufemismo para condutas descritas ora na Idade Média, ora no Código Penal. Em nome do respeito às religiões, agimos como se fôssemos obrigados a respeitar as agressões, o preconceito, o curandeirismo e a manipulação. Não o somos. O direito à liberdade religiosa, que caracteriza o Estado laico, não impede a crítica à intolerância e à safadeza; pelo contrário, a exige.

*JORNALISTA

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