terça-feira, 23 de junho de 2015

DOMINGO NA FARMÁCIA


ZERO HORA 23 de junho de 2015 | N° 18203

TICIANO OSÓRIO*


A propósito dessa imprecisão, um aviso: não interagi com os três personagens. Não desempenhei, diretamente, meu papel de jornalista ali. Preferi ficar de testemunha, tão somente.

O homem – um sujeito de cabelos prematuramente grisalhos, vestido com moletom, calça jeans e tênis tipo All Star – aproximou-se da balconista, com a namorada dele (uma moça de blazer preto, jeans e botas de cano alto) um passo atrás. Ele pediu uma pomada, procurava um curativo, não lembrava direito o nome do produto. Aí que, para ser melhor entendido, fez surgir o terceiro personagem, ao qual minha visão periférica ainda não havia prestado tanta atenção.

Era um rapaz negro, com pouca roupa para o frio que estava fazendo (mesmo que estivesse de manga comprida). A um aceno do jovem grisalho, o rapaz postou-se bem à frente do balcão. A intenção era que a atendente pudesse espiar o seu pé direito – descalço como o esquerdo. A diferença era o vermelho do segundo dedo.

– Ele se machucou – disse o homem de cabelo acinzentado.

Foi só então que compreendi a cena. Aquele casal, como diálogos complementares me informaram, havia recolhido o menino de uma esquina qualquer, colocado-o em seu carro e ido ao shopping para tratar de seu dedo machucado e ensanguentado e, depois, dar-lhe de presente um par de tênis.

Essa cena me deixou estarrecido.

Comigo mesmo.

Porque na hora fiquei pensando nos mil e um motivos que a gente dá para não exercer a solidariedade de um modo mais frequente e mais ativo. É o trabalho que nos consome, é a falta de tempo, a falta de dinheiro, as duas filhas para criar... Pode ser também o excesso de realismo – na fila do caixa, uma senhora elogiou a atitude do casal, mas advertiu:

– Eu também faço trabalho social. Às vezes, eles trocam os tênis por droga.

Não perguntei para o jovem casal, mas me parecia claro que, para eles, isso não importava. O importante era que fizessem sua parte, que ajudassem aquele rapaz, que providenciassem para que, pelo menos por aquele tempo que passaram juntos, o garoto se sentisse acolhido, protegido, quem sabe até amado. Ficar uma meia hora naquela função não atrapalharia seus planos de domingo, abrir a carteira e gastar alguns reais não lhes tiraria nada, porque o que o jovem grisalho e sua namorada tinham, eles tinham de sobra: a esperança.

Editor de ZH*

segunda-feira, 22 de junho de 2015

LIBERTANDO TRABALHADORES DA ESCRAVIDÃO

G1 FANTÁSTICO Edição do dia 21/06/2015


Brasileira liberta 2,3 mil trabalhadores da escravidão pelo país. Marinalva Dantas arriscou a vida enfrentando jagunços e pistoleiros e registrou tudo em fotos e vídeos inéditos.





Em pleno século 21, é difícil aceitar que ainda exista trabalho escravo no Brasil. Durante dez anos, uma mulher esteve à frente do grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho, que libertou 50 mil pessoas da escravidão.

Ela arriscou a vida enfrentando jagunços e pistoleiros e registrou tudo em fotos e vídeos inéditos. É o retrato assustador da violência no campo - um Brasil que dá vergonha, em que homens, mulheres e até crianças são submetidos a trabalhos forçados, sem ganhar um tostão.

“Liberdade é você poder andar tranquila por aí. Isso é liberdade”, Marinalva Dantas, auditora fiscal.

Por amar ser livre, Marinalva decidiu dedicar a vida à liberdade dos outros. “Não existe nenhuma pessoa que mereça ser insultada, humilhada, ofendida, agredida física ou moralmente”, diz Marinalva.

Durante dez anos, ela se embrenhou nos confins do Brasil para combater insultos e humilhações.

“Mesmo sabendo que está sendo escravizado, a gente continua ali”, conta um trabalhador.

Para denunciar ofensas e agressões.

“Ele entrou lá dentro, pegou um facão, cortou aqui, e deu três pontas de facão aqui no meio das costas”, conta outro trabalhador.

Para enfrentar jagunços e pistoleiros e tirar da sombra um país injusto e violento.

“Existia, de fato, um corpo, restos mortais de um ser humano aqui dentro, um trabalhador”, diz Marinalva em um vídeo.

Marinalva Cardoso Dantas é admirada no exterior até por quem já ganhou o prêmio Nobel da Paz, como o indiano Kailash Satyarthi, que combate o trabalho infantil em seu país.

“Se a Marinalva fosse paquistanesa ou afegã, e fizesse exatamente tudo o que ela fez até hoje, ela teria sido indicada”, destaca Klester Cavalcanti, escritor.

Fantástico: Ao prêmio Nobel?
Escritor: Sim. Sem dúvida alguma.

Mas quem é essa mulher que libertou pessoalmente 2.354 pessoas? E que chefiou um grupo que já livrou 50 mil brasileiros da escravidão contemporânea?

“Parecia um exército de crianças saindo do canavial”, conta Marinalva.

Inclusive meninos trabalhando à força quando deveriam estar brincando.

“Essa boneca foi, assim, a imagem mais bonita que eu vi na minha vida. Uma bonequinha de verdade”, conta Marinalva vendo uma foto antiga.

O primeiro presente foi um encantamento.

“Eu fiquei enfeitiçada com aquela imagem daquela boneca”, diz Marinalva.

Marinalva nasceu em uma família pobre, no interior da Paraíba, onde brincar era muito difícil.

“Muitas crianças eu vi fazendo sapatos, passando cola. Crianças fazendo panelas de barro”, conta Marinalva.

Ela ainda era pequena quando os pais a entregaram para o tio rico que a criou, no Rio Grande do Norte.

“Eu vivi entre esses dois mundos”, destaca Marinalva. Que nunca a abandonaram. Nem quando ela passou no concurso para auditora fiscal do Ministério do Trabalho, em Natal. “Na inspeção do trabalho nós convivemos entre dois mundos”, diz Marinalva.

Aquela mesma contradição de mais de 50 anos atrás é a rotina de Marinalva hoje. “Aquele pessoal ali que vai pegar seus dados para botar você na escola”, diz Marinalva.

Ela combate o trabalho infantil em Natal. Mas, durante dez anos, chefiou o Grupo Móvel de Fiscalização, criado em 1995, pelo Governo Federal, para combater o trabalho escravo.

“Ele virou quase uma lenda, o Grupo Móvel. Nós temos muitas histórias, muitos feitos, muitas conquistas”, comenta Marinalva.

O escritor Klester Cavalcanti vasculhou 20 anos de arquivos do grupo móvel para escrever a biografia de Marinalva, que vai ser lançada terça que vem (23), em São Paulo.

“O grupo chama móvel porque eles ficam viajando o Brasil inteiro, procurando denúncias de trabalho escravo. É o Estado admitindo que existe trabalho escravo no país”, conta o escritor.

Na reportagem acima, você confere vídeos e fotografias inéditas do acervo de imagens do Grupo Móvel. O retrato de um país atrasado, em que a servidão e o cativeiro são impostos com violência brutal.

Marinalva já ouviu até confissão de morte encomendada.

Homem: Ele quer que eu fecho dois homens da turma minha.
Marinalva: Como é fecho dois homens?
Homem: É matar.
Marinalva: Como é?
Homem: Matar.
Marinalva: Ofereceram ao senhor como?
Homem: Ofereceram.
Marinalva: Como assim?
Homem: Eles ofereceram para negociar e fechar dois homens que ele não gosta da minha turma. Que é esse aqui e esse aqui. E eu contei para eles. Porque eu não tenho coragem. Agora, o dinheiro eu vi na minha frente.

E encontrou crânios e ossadas humanas em cemitérios clandestinos. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, desde a criação do Grupo Móvel, há exatos 20 anos, foram identificados 42 assassinatos de trabalhadores escravos no Brasil.

Os que sobrevivem são tratados como animais.

“Os porcos ficam aqui embaixo. Os trabalhadores fazem as necessidades fisiológicas, e os porcos também se alimentam das fezes dos trabalhadores. Depois os trabalhadores se alimentam dos porcos. O porco é vendido para eles. É descontado no salário, que faz aquela servidão por dívida”, diz Marinalva em uma gravação.

Isso quando a comida não é uma ração minguada.

Homem: É só um café simples com um punhadinho de farinha.
Marinalva: Como assim? Você come a farinha e bebe o café?
Homem: Com a mão cheia de farinha, e bebendo o café, e bota um pouquinho, assim, descendo por aqui.

O que dizer da água para beber?

Marinalva: Essa água completamente amarela, cor de barro. É isso?
Homem: É, senhora.

Ao perguntar a um trabalhador libertado em 2003 por que estava com o dedo machucado, Marinalva viveu uma de suas maiores emoções.

“Eu via a cicatriz, eu perguntei: ‘o que é isso?’ ‘Foi um homem que me cortou’. Aí começou a chorar”, conta Marinalva.

Marinalva: Quem bateu no senhor?
Homem: O cara.
Inspetor: E por que que o senhor apanhou?
Homem: É porque eu exigia água. A água que nós bebia lá parecia era um suco de abacaxi. Água amarela, grossa e muito bicho.

“De tão humilhado que ele foi. Então me tocou. E ele, quando foi contando a história dele, que chorou porque pediu água limpa para beber, aquilo foi um murro no estômago”, diz Marinalva.

Mas nada a desconcerta mais do que encontrar crianças escravas.

Fiscal: Quanta cana ele corta, consegue cortar?
Homem: Uma tonelada.
Fiscal: Ele faz uma tonelada por dia? E você não fica cansado, não?
Menino: Não.

Como o garoto vaqueiro que já tinha passado metade da vida trabalhando.

Marinalva: Você faz isso há quanto tempo?
Menino: Sete anos.
Marinalva: Quanto?
Menino: Sete.
Marinalva: Quantos anos você tem?
Menino: Tenho 14.
Marinalva: E desde os sete anos você mexe com gado?
Menino: Desde os sete.

“E eu perguntava: e o leite? Ele dizia: não conheço, não senhora. Era uma fazenda de leite, de gado. Ele não conhecia o leite”, conta Marinalva.

O desconhecimento dos direitos mais fundamentais tira dos trabalhadores até a consciência de sua condição de escravo.

“Às vezes as pessoas não entendiam bem o que tava acontecendo ali. 'Quem são essas pessoas de colete?'”, diz Marinalva.

Marinalva: A gente veio trazer pra vocês a possibilidade de vocês terem os direitos que estão sendo negados pra vocês.
Trabalhador: Certo.
Marinalva: Então foi isso que a gente veio fazer aqui.
Trabalhador: Pois para mim era um segredo. Que eu não sabia se existia esse direito.
Marinalva: Mas o senhor tem todos os direitos que qualquer um trabalhador tem.
Trabalhador: Através de um acordo ou é mandado da lei?
Marinalva: Não é acordo. É norma. É lei. Ele tem que cumprir.
Trabalhador: Não é acordo, é norma da lei?
Marinalva: Não tem o quê acordar, nem tirar nada de quem não tem nada.
Trabalhador: Pois é isso aí. Então fica bem entendido, né?

E, por força da lei, a fazenda é revistada. Sob escolta, os trabalhadores têm seu dinheiro calculado e pago no momento da libertação. Por mais que o fazendeiro chie.

Fazendeiro: Vou ter que vender essas fazendas para pagar essas multas.
Marinalva: Não precisa, não. O senhor, com tempo, o senhor se organiza.

Os fiscais passam a noite fazendo contas até chegar o grande momento.

“É aquele momento em que você pega aquela mão calejada, com muito calo, aquela mão grossa, e dá aquele aperto firme na sua mão assim. Então passa uma energia muito boa de agradecimento, ‘muito obrigado’”, diz Marinalva.

Em 2001, o Fantástico acompanhou uma dessas operações. Foi na fazenda Estrela de Alagoas, no Sul do Pará. À frente da equipe, Marinalva Dantas.

Em 2010, nove anos depois da reportagem, o Tribunal Superior do Trabalho multou a empresa proprietária da fazenda Estrela de Alagoas em R$ 5 milhões. Foi a maior quantia já paga pela prática de trabalho escravo no Brasil. Mas, para Marinalva, vitória maior teria sido ver os 49 trabalhadores libertados na operação vivendo uma vida melhor.

“Aquela liberdade que a gente dá é momentânea, ela é provisória. O que vai fazer ele ter uma liberdade permanente é um trabalho que vem depois de nós, e que pouquíssimo foi feito aqui no país”, destaca Marinalva.

Em 2004, o governo assumiu, diante das Nações Unidas, a existência de 25 mil escravos, à época, no Brasil. Mas hoje o Ministério do Trabalho diz que é impossível saber quantos existem.

Uma das características mais perversas da escravidão contemporânea é a repetição. Há casos de trabalhadores libertados duas, três, quatro vezes em fazendas diferentes. Se não encontram perspectiva de trabalho formal depois da libertação, acabam coagidos, aliciados e escravizados de novo. Por isso, o que aconteceu na Arena Pantanal, em Cuiabá, foi um caso concreto de vitória contra a escravidão no Brasil.

José Divino Pereira foi um dos 88 ex-escravos que participaram da construção do estádio da Copa em Mato Grosso.

José Divino Pereira, pedreiro: Nessa gramona que nós estamos pisando era um depósito de estaca
Fantástico: Não tinha nada?
José Divino Pereira: Não. Aqui ficava só depositada as estacas.

Ele foi libertado depois de quase um ano trabalhando de graça.

“Trabalhava na escravidão, mas não tinha noção do que era a escravidão”, conta o pedreiro.

Depois da libertação, foi alfabetizado e capacitado por um projeto que já profissionalizou 650 ex-escravos de Mato Grosso, graças ao esforço conjunto da Universidade Federal, do Ministério Público, da Superintendência do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho.

À Marinalva Dantas, Divino é pura gratidão.

“Falar a ela muito obrigado pelo que ela fez. Que ela libertou não só eu, como vários por aí. Isso é liberdade. Você tem o direito de escolher o que você vai fazer”, diz o pedreiro.

Mas a mulher que salvou mais de 2,3 mil pessoas faz questão de devolver o agradecimento.

“Eu queria dizer a eles obrigado por ter conhecido uma pessoa que conseguiu vencer, conseguiu vencer uma coisa tão trágica como é a escravidão. A felicidade é em ver muitas pessoas felizes. A vítima dessas coisas sair de lá com o sentimento de honradez, de justiça feita”, destaca Marinalva.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

MORAR EM LOTEAMENTO IRREGULAR NÃO É LEGAL

 



ZERO HORA 10 de dezembro de 2014 | N° 18009


DÉBORA MENEGAT




O parcelamento do solo é fator determinante da expansão urbana. Através dele,transforma-se uma gleba em um novo núcleo urbano. Para que isso ocorra de forma sustentável, garantindo condições dignas de moradia e de acesso à cidade, devem ser respeitadas as limitações urbanísticas estabelecidas no Plano Diretor e nas leis que regem o parcelamento. Também se faz necessária a aprovação prévia de projeto na prefeitura e de registro no Registro de Imóveis. Vencidas essas etapas, é que será possível ao loteador iniciar seu empreendimento ou a venda de lotes. Quem compra lotes em lo- teamento irregular acaba amargando uma série de dificuldades. Além da impossibilidade de registrar a propriedade, não recebe o acesso à infraestrutura básica, como água, luz e esgoto, ficando inviabilizado, ainda, de acessar financiamentos para construção.

A cidade também perde. Com o loteamento irregular, dá-se um maior adensamento populacional, gerando saturação dos serviços adjacentes, como segurança, transporte público, postos de saúde e escolas. Além disso, o parcelamento irregular, na maioria das vezes, acaba por onerar todos os cidadãos com o custo da urbanificação.

É crime dar início ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo urbano sem autorização da autoridade competente. Também é crime vender, prometer vender ou reservar lote em loteamento não registrado.

Nesse sentido, visando promover uma cultura de prevenção, é que foi lançada a campanha “Morar em loteamento irregular não é legal”. Uma iniciativa do MP/RS e município de Porto Alegre, com apoio do Estado do Rio Grande do Sul, Colégio Notarial, Famurs, Sinduscon, Creci-RS, CAU-RS, Crea-RS e Sergs.

Acreditamos que, para além da atuação de cada órgão e sem qualquer prejuízo das necessárias ações a viabilizar políticas públicas habitacionais e o direito à cidade, promover o esclarecimento da população é o melhor caminho para enfrentar o problema, contribuindo para uma cidade com mais qualidade de vida e meio ambiente protegido.


*Promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias do MP/RS

E POR FALAR EM DIREITOS HUMANOS



ZERO HORA 10 de dezembro de 2014 | N° 18009



LUIZ FERNANDO BARBOZA DOS SANTOS*



Os direitos humanos vêm passando por uma situação antagônica. Por um lado, acompanhamos a consolidação cada vez maior desses direitos; por outro, observamos uma reação social que, por vezes, se afigura revestida de um pensamento simplista, que vincula os direitos humanos à ideia de direitos que visam a “defender os bandidos”.

Os direitos humanos estão presentes no cotidiano de todos nós! Nas nossas tão decantadas liberdades de expressão, de pensamento, de reunião, de religião e de locomoção; no direito de elegermos nossos representantes políticos; na possibilidade de exigirmos do poder público bons serviços de saúde, educação e segurança; no direito ao trabalho e a uma remuneração justa; na constante luta por um meio ambiente equilibrado; no exercício dos nossos direitos de consumidor; no combate à homofobia, ao racismo e a outras formas de preconceito; no direito à acessibilidade das pessoas com deficiência; no debate envolvendo questões de gênero.

A amplitude dos direitos humanos, que atinge diversos temas envoltos em nossa sociedade, não permite mais uma visão restritiva e equivocada. Tampouco admite a vinculação desses direitos ao partido “A” ou “B” ou sua apropriação pela ideologia “X” ou “Y”. Afinal, tais direitos têm, entre outros, o escopo de proteger os indivíduos contra desmandos perpetrados por regimes totalitários de direita ou de esquerda. Os direitos humanos pertencem a toda a humanidade, independentemente de nacionalidade, cor, ideologia ou posição social.

Os direitos humanos, portanto, devem ser utilizados como critérios para a tomada de decisões individuais e coletivas, tendo por fim a melhoria da qualidade de vida e o reconhecimento da dignidade das pessoas. Se o intento é simplificar o conceito desses direitos, que não o façamos sob um viés pejorativo, mas sob a ótica correta de que os direitos humanos são, resumidamente, o direito ao respeito, à tolerância e à pluralidade de ideias!


*Presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul (Apergs)


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Realmente, é lamentável que um pensamento simplista "vincula os direitos humanos à ideia de direitos que visam a defender os bandidos”. É muito maior e independe "de nacionalidade, cor, ideologia ou posição social", pensamento ou ainda de ser um cidadão de bem ou um criminoso. Todos são seres humanos, com seus direitos e deveres, e merecem ser tratados com dignidade e com igualdade perante a lei.

quarta-feira, 20 de março de 2013

REIVINDICAÇÕES FEMINISTAS ESTIMULAM O HOMOSSEXUALISMO


Marco Feliciano diz que direitos das mulheres atingem a família. Em entrevista para livro, deputado e pastor diz que reivindicações feministas estimulam o homossexualismo

O GLOBO
Atualizado:20/03/13 - 8h46


Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) no plenário da Câmara Ailton de Freitas / Agência O Globo


RIO — As críticas do atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, Marco Feliciano (PSC-SP), avançam também em outra direção: o direito das mulheres. Em entrevista para o livro “Religiões e política; uma análise da atuação dos parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e LGBTs no Brasil”, ao qual O GLOBO teve acesso, o deputado critica as reivindicações do movimento feminista e afirma ser contra as suas lutas porque elas podem conduzir a uma sociedade predominantemente homossexual.

“Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família, cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade tende a desaparecer porque ela não gera filhos”, diz ele na página 155, em declaração dada em junho de 2012.

Para o pesquisador Paulo Victor Lopes Leite, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), um dos autores do estudo, a posição de Feliciano não é exceção: reflete o pensamento majoritário defendido pelos integrantes da Frente Parlamentar Evangélica.

— Constatamos que os parlamentares evangélicos trabalham com a ideia de pânico moral, que se manifesta sempre que qualquer atitude ou comportamento se mostra diferente do conceito de família patriarcal, com pai, mãe e filhos. É a ideia de pânico moral que faz com que rejeitem qualquer transformação natural da sociedade, como o casamento igualitário e a necessidade de se discutir a legalização do aborto — avalia.

As afirmações de Feliciano causaram revolta nos movimentos feministas. Para Hildete Pereira de Melo, professora da UFF e pesquisadora de relações de gênero e mercado de trabalho, as convicções do parlamentar são atrasadas porque não acompanham as necessidades da sociedade.

— Ele é misógino e homofóbico. Desde a invenção da pílula anticoncepcional, os casais heterossexuais podem manter vida sexual ativa sem que a gravidez ocorra. Atribuir aos homossexuais a responsabilidade pela destruição da família é um delírio. A destruição tem como culpado o homem, que sai de casa e abandona os filhos quando o relacionamento termina. É preciso entender que os filhos são responsabilidade do casal, e não apenas da mulher — critica.

terça-feira, 19 de março de 2013

CERCO AO RACISMO E HOMOFOBIA NO RS


ZERO HORA 19 de março de 2013 | N° 17376

INICIATIVA INÉDITA. DP inaugura unidade para combater crimes relacionados à intolerância


A 3ª Delegacia da Polícia Civil de Canoas inaugurou um espaço inédito para combater o racismo e a homofobia no Rio Grande do Sul. Na semana passada, entrou em funcionamento o Cartório da Diversidade e Igualdade Racial, o primeiro local desse tipo no Estado a fazer atendimento específico a crimes relacionados à intolerância em uma DP.

Oobjetivo é avaliar os casos a partir do perfil das vítimas de racismo e homofobia. Como os crimes são investigados pelo tipo de violência, muitas vezes não se sabe como as pessoas que sofreram as agressões ficaram após o episódio. Com a criação do cartório, a Polícia Civil espera mapear os locais e qual o tipo de violência praticada.

– Na maioria das vezes, a discriminação é velada e em grupo. Em briga de vizinhos, por exemplo, podem acontecer ofensas como “macaco imundo”, mas a injúria racial vai além da ofensa. Pretendemos abrir a porta a esses casos, pois, assim, poderemos tabular onde, quando e como ela ocorre, e fazer um trabalho de prevenção – diz a delegada titular da 3ª DP de Canoas, Sabrina Deffente.

A delegada é a idealizadora do projeto que culminou na criação da unidade. Para ela, o mais árduo em casos que envolvam grupos classificados como vulneráveis é oferecer condições para que eles denunciem os agressores. Muitas vítimas têm medo de prestar queixas. Por isso, a criação de uma delegacia cidadã – como denomina o secretário de Segurança Pública e Cidadania de Canoas, Guilherme Pacífico – incentiva a exposição dos casos:

– Um grupo vulnerável já sofre com os estigmas, então a gente passa a atendê-los para formar uma rede de proteção e construção de diagnósticos.

Os casos de violência que configuram crime seguirão o caminho normal. A vítima se apresentará à polícia e fará o registro de ocorrência. Já os casos que não se caracterizam como crime, mas oferecem algum risco às vítimas, serão analisados pelos profissionais e encaminhados às coordenadorias de Diversidades e Igualdade Racial do município. Além disso, a unidade terá psicólogos, assistentes sociais e profissionais do Direito especializados no acompanhamento de pessoas que tenham sofrido qualquer tipo de discriminação.

Denúncias cresceram 240% no ano passado

De acordo com os dados da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, as denúncias ao Disque 100 mais que triplicaram no Estado em 2012. Foram 140 registros a mais do que em 2011, o que representa um aumento superior a 240%. O Rio Grande do Sul é o quinto Estado com maior número de delações sobre violência relacionada ao gênero. O perigo, para os delegados e para a professora, está na discriminação velada.

MATHEUS BECK

sexta-feira, 15 de março de 2013

SEM PLANO DE DIREITOS HUMANOS


Treze estados não têm plano de direitos humanos, diz IBGE. Seis não têm sequer canais de denúncia sobre o tema. Dados constam na inédita Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012


CÁSSIO BRUNO
JULIANA CASTRO
O GLOBO - Atualizado:15/03/13 - 10h46




RIO - Quase metade das unidades da federação não tem plano de direitos humanos, e seis não têm sequer um canal para denunciar abusos e violações contra a pessoa. É o que mostra a Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012, estudo inédito divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira. Apesar disso, apenas o Amapá declarou não ter a estrutura de um órgão que fosse responsável pela política sobre o tema. Sergipe é o único estado com uma secretaria exclusiva de direitos humanos.

Acre, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Rio Grande do Sul, Paraíba, Goiás e Distrito Federal não têm planos estaduais de direitos humanos, ao contrário do que acontece em nível nacional, onde o governo tem um plano específico, que está na terceira revisão. A situação é ainda pior em Roraima, Rondônia, Ceará, Amapá e Amazonas, onde não há plano e tampouco canais para fazer denúncia. O Espírito Santo tem plano, mas não tem nenhum dispositivo para que a população denuncie. Como o estudo é inédito, ainda não há parâmetro para comparação.

“Cabe ressaltar que tal resultado (sobre a ausência dos planos estaduais) não impede que os estados tenham políticas, planos, programas ou ações para grupos vulneráveis específicos”, informa o estudo.

Apenas MA, MG e MT têm fundo específico

Onze estados (Rio, Pará, Tocantins, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Mato Grosso) têm plano e previsão de recursos para o financiamento de políticas de direitos humanos. A coordenação da pesquisa diz que o fato de alguns estados não terem orçamento exclusivo para o tema não significa que a área não receba recursos de outras secretarias.

O levantamento, feito após os próprios estados responderem dois questionários enviados pelo IBGE, mostra que três unidades da federação constituíram um fundo estadual de direitos humanos: Maranhão, Minas Gerais e Mato Grosso.

“A instituição de um fundo público vinculado à implementação de políticas de direitos humanos é importante na mobilização e garantia de aplicação de recursos na área”, diz um trecho da pesquisa.

Telefone, o meio usual para as denúncias

O IBGE questionou os estados sobre os meios que eles disponibilizavam para as denúncias de violação dos direitos humanos e 18 deles responderam que recebiam os relatos por telefone, sete têm balcão de atendimento, 12 têm um canal em página na internet, 13 recebem por email, e cinco, por correio.

Todas as assembleias legislativas têm uma comissão específica de direitos humanos. Seis estados (Rondônia, Roraima, Amapá, Sergipe, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) não têm um conselho estadual para tratar do assunto. Os conselhos concretizam a participação e o controle social, preconizados na Constituição Federal de 1988, e articulam participação, deliberação e controle do Estado.

“A ampliação no número dos conselhos estaduais, seu funcionamento mais qualificado, assim como a articulação com os programas setoriais das esferas municipal e estadual, poderão traduzir um modelo participativo e eficiente para as políticas sociais no Brasil”, diz a pesquisa sobre a importância dos conselhos.

Bahia e Rio têm conselhos com caráter apenas consultivo, ou seja, embora emitam pareceres, não deliberam. Nos conselhos deliberativos, há a capacidade de influenciar nas decisões.


Só cinco estados têm conselhos de direitos LGBT, diz IBGE. Dados constam na inédita Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012

CÁSSIO BRUNO
JULIANA CASTRO 
O GLOBO - Atualizado:15/03/13 - 10h55


RIO - A inédita Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2012, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada nesta sexta-feira, verificou a existência dos conselhos estaduais para os mais diversos temas. Todos os estados têm esse tipo de grupo para temas como saúde, educação, habitação, cultura, etc. Mas, verifica-se que apenas cinco unidades da federação têm conselhos voltados a direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: Pará, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

“A ampliação no número dos conselhos estaduais, seu funcionamento mais qualificado, assim como a articulação com os programas setoriais das esferas municipal e estadual, poderão traduzir um modelo participativo e eficiente para as políticas sociais no Brasil”, diz a pesquisa sobre a importância dos conselhos.

A média de existência desses grupos são de 2,8 anos. Apenas três deles têm caráter deliberativo, ou seja, tem a capacidade de influenciar nas decisões.

— É um tema novo, com uma incidência não tão grande nos estados — destacou o pesquisador Antônio Carlos Alckmin dos Reis, da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE.

— No caso da educação e da saúde, você tem políticas e linhas de financiamento que forçam a criação desses conselhos não só nos estados, mas nos municípios.