quarta-feira, 24 de outubro de 2012

MORTE DE CADETE DA AMAN HÁ 22 ANOS: ESTADO ADMITE RESPONSABILIDADE


Estado admite responsabilidade por morte de cadete há 22 anos. Márcio Lapoente foi morto após ser espancado por superior na Aman

Luiza Barros
O GLOBO 22/10/12 

RIO — A Secretaria de Direitos Humanos reconheceu nesta segunda-feira a responsabilidade do Estado na morte do cadete Márcio Lapoente da Silveira. O jovem de 18 anos morreu em 9 de outubro de 1990 na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), após ser espancado e submetido a exercícios até a exaustão. A portaria assinada pela ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, sela um acordo entre a família e o Governo a junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O reconhecimento da responsabilidade, porém, não prevê reparação em dinheiro à família, cujo pedido de indenização tramita em ação judicial na 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro e deve ser resolvido pela Justiça comum brasileira.

O acordo determina ainda a inauguração de uma placa na Aman em homenagem a Márcio e a aplicação de medidas preventivas para evitar novos casos do gênero, por meio da realização de “estudos e gestões com vistas ao aprimoramento da legislação e da atuação das Justiças Comum e Militar” e da ampliação do “ensino de direitos humanos no currículo de formação militar”.

A Secretaria de Direitos Humanos ainda se comprometeu a analisar 23 casos de supostas violações aos direitos humanos ocorridas no âmbito das Forças Armadas, conforme estudo elaborado pelo Grupo Tortura Nunca Mais. Foram os pais de Lapoente que ajudaram o grupo a reunir casos similares ao do filho ao longo dos anos.

A mãe do cadete, Carmen Lapoente, comemorou o reconhecimento, apesar da demora.

— O pedido de desculpa não vai trazer meu filho de volta, não vai diminuir a minha dor. O mais importante para mim foi o reconhecimento de que ele não morreu de morte natural.

Segundo relatos de colegas do rapaz na época, Lapoente foi espancado pelo capitão Antônio Carlos de Pessôa porque pediu para ser liberado do exercício, após se sentir mal durante uma caminhada de cinco quilômetros. O rapaz foi obrigado a prosseguir com o exercício, e desmaiou. Em seguida, o capitão chutou a cabeça do cadete e outras partes do corpo de Lapoente, que teve quatro dedos esmagados por uma coronha de fuzil. O jovem ficou exposto ao sol, inconsciente, por três horas, até ser socorrido por uma ambulância. Quando chegou ao Hospital Central do Exército, o cadete já estava morto. Em dezembro de 1992, a Justiça Militar condenou o capitão Antônio Carlos de Pessôa a três meses de detenção.

— O mais doloroso para mim é saber que ele passou por tanto, e diziam que ele estava fingindo, que ele era preguiçoso — diz Carmen, que conta que, quando recebeu um telefonema do hospital, ouviu que o filho dela estaria “com uma febrezinha”.

A mãe do cadete acredita que a realidade nas Forças Armadas não mudou desde a morte de Lapoente. Segundo ela, havia, em 1990, a expectativa de que o caso pudesse ser exemplo de punição de militares após a ditadura, o que não aconteceu.

— Até hoje é difícil ter punição em casos do Exército. Acontecem certas coisas lá dentro por causa da certeza da impunidade. Tem mãe que tem a lucidez de entregar o filho à polícia. Por que nas Forças Armadas não pode ser assim? O que a gente encontra é o argumento de que “é assim mesmo”. Se tiver punição, isso vai diminuir — reflete.

Em 2009, Carmen perdeu o marido, Sebastião, que, assim como o filho, também era militar. Hoje, a viúva vive com um filho portador de necessidades especiais no Rio. Ela explica que a ação que move na Justiça é contra o tenente Pessoa, e não contra a União.

— Com o processo, ele teria que pagar do bolso dele pela morte do meu filho, o que serviria de exemplo. Eu tenho minha casa, meu dinheiro, não vai mudar minha vida, não vai me trazer felicidade. O que faz falta é o meu filho, que era o futuro da gente. A vida da gente toda, as esperanças todas estavam depositadas nele — desabafa.

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